Os filhos de minha filha


Da esquerda pra direita: Iuri com Iara no colo, Ivan, Irene, Ivete, Ivânia e Ícaro.

Primeiro chegou Iuri (ou Ioury, como Juju o chamava, enrolando a língua, quando estava aprendendo a falar). Foi presente de tia Ana, no primeiro aniversário da menina e virou o brinquedo favorito dela para toda a vida. Iuri ia à escola, a todos os passeios, andava de sling e já fez várias viagens com a gente. O boneco reinou absoluto até que certa vez, em visita aos tios em Brasilia, Júlia viu em uma vitrine outro, igualzinho ao seu primogênito, só que em tamanho menor. Juju não resistiu e puxando tio Bruno pelo braço, o levou até a loja e com a carinha mais doce pediu: – Compra pra mim aquela bonequinha pretinha? É Iara, a irmanzinha pequena de meu Iuri. E assim a família começou a crescer.

Passados alguns anos, eu estava com minha mãe batendo perna em Lisboa, esperando uma conexão demorada, quando senti cheirinho de chocolate saindo de uma loja. Fui guiada pelo olfato para um grupo de bonecos e bonecas, de cores, roupas e cabelos diferentes. Uns com cheiro de baunilha e outros de chocolate. Estava longe das crianças e vi alí uma excelente oportunidade de levar uma lembrancinha. Escolhi uma boneca de saiota e camiseta de flores, com um lacinho azul na cabeça e dei o nome de Irene. Já ia saindo da loja quando minha mãe se encantou  outro dos bonecos e sugeriu: -levo esse aqui e eles fazem um casalzinho. Como ele é português, vai ser o Vasco. Irene e Vasco viajaram, passearam, dormiram no calor do lume lá na Casa do Ribeiro e chegaram ao Brasil, na família dos Iuris… Júlia amou as novas aquisições, pensou um pouquinho e confessou: -Mãe, meus filhos todos começam com I, será que vovó vai ficar chateada comigo se Vasco virar Ivan? Assim o gajo d’além mar foi rebatizado.

Depois veio Ivete, encontrada nas prateleiras de um supermercado aqui de Salvador. Bochechuda e carequinha é a mais clarinha de todos os irmãos. Achávamos que com o crescimento da menina, a coleção estava completa. Erramos feio… numa posterior viagem, dessa vez com as crianças, me ví novamente na porta da loja com cheiro de chocolate. Aproveitei a oportunidade e comprei Dimitri para presentear uma sobrinha (esse nome é outra história. Foi um sonho que tive com um menino que eu tirava de um orfanato e levava para mim). Na hora de pagar , vejo na minha cestinha mais dois cheirosinhos. Julia explicou: -mãe, Ícaro tem cabelo liso, nenhum dos Iuris é como ele, e Ivânia é tão cabeludinha, veja como ela é linda. Não posso deixar eles aqui, coitados.

Foi assim que a coleção/familia chegou ao tamanho que tem hoje. A menina, agora adolescente, já não dá muita bola aos seus filhos, mas eles continuam morando na estante do seu quarto perfumando o ambiente e minhas recordações.

13 de Maio

Hoje é Sexta-feira 13, a primeira desse ano de 2016. É o dia da aparição de Nossa Senhora de Fátima aos 3 pastorinhos lá em Portugal. É também o dia que em que através da lei Áurea, assinada pela princesa Isabel (aquela que tem muitos nomes), foi abolida a escravidão no Brasil. A 12 anos essa data passou a ter um significado mais que especial para mim com o nascimento de meu filho Antônio. Parece que foi ontem e ao mesmo tempo não consigo imaginar a vida sem meu menino, ter ele é tão necessário quanto respirar.

Desde criança, quando eu me imaginava mãe, via ao meu lado um menino sapeca, bem do jeitinho que meu filho é. Quando engravidei de Júlia, tive certeza que seria uma menina e com seu nascimento conheci “a sorte do amor tranquilo, com sabor de fruta mordida”, do qual falava Cazuza. Era atávico. Ela é minha e eu sou dela, sem dúvidas e nem questionamentos, apenas é e pronto.

Pouco depois engravidei novamente, desde a barriga já sentia tudo mudado, sabia que vinha um menino e intuí que ser mãe é gigante. Com seu nascimento percebi a grandeza de ter dois filhos, dois amores que são maiores que eu e ao mesmo tempo tão diferentes. Antônio me faz viver com ele aquele sentimento que dispara o coração e deixa sem fôlego, aquela paixão doida que faz suar a palma da mão. Nunca foi um mar de águas calmas. Que balela aquela conversa de que se ama igual todos os filhos.

Meu menino cresceu, e continua crescendo, me deixando sem ar de tanto amor. É lindo e quando ele sorri fecha os olhinhos, no sorriso mais encantador do mundo inteiro. Filho, desejo pra sua vida o melhor sempre: saúde, sorte, alegria, luz paz e amor. Te amo de amor de mãe.

Você é o Tom que traz música pra minha vida.

Seu Eduardo

A um mês postei aqui a história de Dudu, o gato, que chegou devagarinho em nossa vida e nos deixou a todos irremediavelmente encantados.

Depois de devidamente vacinado, vermifugado, castrado e diagnosticado com FIV, fiz uma campanha para encontrar um dono amoroso para ele. Nenhum interessado apareceu e eu, que não podia ficar com mais um gato em casa, trouxe o bichinho de volta pro Memorial, morta de medo dele fugir novamente, se machucar mais ou pegar alguma doença pior, se enfraquecer e não resistir.

Trouxe o bichano de mala e cuia: com caixa de areia, potinhos de ração, água e também um paninho pra ele dormir em cima. Quem sabe a sedução de uma boa vida o convencesse a sair da esbórnia? No dia seguinte quando chego no museu, com o coração aos pulos, abro a porta da área reservada aos funcionários e encontro Dudu deitadinho, numa boa. Ao me ver levantou, andou até a vasilha de ração e miou… -Me alimente.

Já tem um mês que nosso pretinho está de volta à Casa do Rio Vermelho. Parece que dessa vez ele abriu mão das farras e da vida desregrada e virou finalmente um gato de família. O cara está mais gordinho, com pelo brilhante e até um pouco gabola: só aceita carinho quando lhe dá na telha e anda pelo museu tirando onda. Ouvi dizer, pelos corredores, que ele não aceita mais a alcunha de Vidaloka, agora só responde se for chamado formalmente de seu Eduardo.

Sinapse

 

Hoje no caminho do trabalho, ouvi no rádio um médico falando sobre “hérnia de hiato”, imediatamente voltei no tempo. Voltei para as aulas de primário onde a professora ensinava ditongos, tritongos e hiatos (sempre me pareceu melancólico as vogais juntinhas e ao mesmo tempo separadas para sempre nas sílabas. Era como morrer de sede em frente ao mar)  A tal hérnia de hiato então me pareceu poética. Uma protuberância adquirida pelo sofrimento de estar perto, sem jamais se encontrar.  Quando saí de dentro dos pensamentos e voltei a ouvir o rádio, o médico tinha saído do ar e o assunto já era outro.